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Resenha: “Inimigos do Povo”

Inimigos do Povo, de Rob Lemkin e Thet Sambath é muito mais que um relato histórico sobre o Camboja –  é um acerto de contas com o passado. No caso, o acerto de contas de Sambath, jornalista cambojano, com o seu passado pessoal. Seus pais e irmão foram assassinados por agentes do Khmer Vermelho, regime comunista que governou o Camboja entre 1975 e 1979 e que vitimou cerca de 2000 pessoas nos chamados “campos da morte”.

O jornalista Thet Sambath conversa com ‘O Irmão Número Dois’, em cena do documentário

Para realizar seu projeto, que durou dez anos e demandou todo o já escasso dinheiro da família, Sambath percorreu o território do Camboja em busca de pessoas envolvidas com o genocídio. Seu objetivo não era encontrar os assassinos de seus pais – que ele sabia ser impossível – mas sim, explicações, justificativas para as atrocidades cometidas por um governo que se dizia originário do povo e que na prática, dizimava-o.

Foi nas suas andanças pelo país que o jornalista conheceu e se aproximou de ninguém menos que Nuon Chea, o “Irmão Número Dois” e braço direito do ditador Pol Pot. Por três anos frequentou sua casa e ouviu suas histórias, contadas sempre em doses homeopáticas e cobertas de desconfiança. Só no fim das filmagens, porém, e na iminência do julgamento dos membros do alto escalão do Khmer Vermelho pelo Tribunal da ONU é que Sambath revela sua história. A reação de Chea é representativa de seu passado como líder político e, mesmo não sendo uma novidade, não deixa de surpreender.

Sambath teve também a oportunidade de conhecer agentes do baixo escalão do regime, funcionários com autonomia policial e muitas mortes nas costas mas que, passadas algumas décadas, declaram-se esquecidas ou profundamente arrependidas dos seus atos. Um dos “assassinos”, no termo utilizado por Sambath, simula, à pedido do cineasta, a forma como matava à facadas suas vítimas – tal e qual matam-se hoje as galinhas. E depois, num mosteiro budista, reza e teme por suas futuras encarnações.

Em Inimigos do Povo, filme que recebeu este ano o Prêmio Especial do Júri para Documentário do Cinema Mundial, em Sundance, e que integra a Competição Internacional – Longas, do 15º É Tudo Verdade, Sambath e Lemkin contam, através de uma história particular, uma tragédia coletiva, mais um pequeno capítulo dos horrores do século XX. E cumprem seu objetivo maior, o de descobrir a humanidade na desumanidade.

Resenha: “Segredos da Tribo”

“Nós não queremos mais antropólogos aqui”.

A frase inicial do filme, dita por um índio ianomâmi, dá o tom do novo documentário de José Padilha, “Segredos da Tribo”, exibido no 15º É Tudo Verdade.

O filme retrata a atuação de antropólogos americanos e europeus junto aos índios ianomâmis estabelecidos na região da Amazônia venezuelana, entre as décadas de 1960 e 1970 e cujas pesquisas são sinônimo de pioneirismo e polêmica.

Entre os antropólogos destacados no longa estão o norte-americano Napoleon Chagnon, um dos pioneiros em realizar estudos de campo com os indígenas e autor da obra “Yanomamo – The Fierce People”, o francês Jacques Lizot, discípulo de Lévi-Strauss e um dos grandes nomes da antropologia na França, e Kenneth Good, que tornou-se célebre no mundo não–acadêmico pelo seu casamento com uma garota ianomâmi. Dos três citados, apenas Lizot se recusou a participar do filme.

O documentário foca menos nas contribuições científicas dos antropólogos e mais nas polêmicas de suas pesquisas. Chagnon, por exemplo, é acusado de genocídio, depois de inserir a vacina contra sarampo que dizimou mais de 200 indígenas. Já Lizot, segundo integrantes das tribos, teria praticado sexo com homens e crianças ianomâmis em troca de armas e outros “presentes”. Na análise dos acadêmicos, ele teria incentivado a prostituição em diversas tribos em troca de alimentos e outros gêneros.

A ruptura que as pesquisas de Chagnon, Lizot e cia., resultou no seio da comunidade acadêmica é explorada ao limite: imagens de acervo, muitas delas dos próprios cientistas em questão são contrapostas com depoimentos de seus desafetos, gerando uma acalorada discussão.

Para Padilha, Segredos da Tribo levanta questões relacionadas à filosofia da ciência: o papel do antropólogo e as metodologias aplicadas em suas pesquisas de campo (ou, no caso, a falta de metodologias claras) estão na base do debate e seriam algumas das  causas do descrédito acadêmico aos quais esses cientistas foram submetidos

Apesar do tom jornalístico adotado por Padilha, o documentário é denso e os debates acadêmicos podem cansar quem não está acostumado com temas científicos. Além disso, o velho jogo de poderes, tema recorrente na filmografia de Padilha (“Tropa de Elite” e “Garapa”, entre outros), está presente, só que desta vez num ambiente teoricamente “sério” e “respeitável” – a academia.

Resenha: “Uma Noite em 67”

Selecionado para abrir o 15º É Tudo Verdade, o documentário Uma Noite em 67, dos diretores iniciantes Renato Terra e Ricardo Calil, é uma divertida viagem à história da música e televisão brasileira. O filme retrata, através de imagens de arquivo, a final do 3º Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, noite marcada pelo lançamento de algumas das mais importantes músicas e também por alguns micos televisivos.

Exibido pela TV Record, os Festivais eram responsáveis pelos maiores índices de audiência da época. Artistas consagrados como Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos e Edu Lobo eram habitués desse tipo de programa, onde apresentavam-se ao vivo para uma plateia eufórica e exigente.

Se a década de 1960 foi a era dos grandes festivais de música (numa proporção nunca mais alcançada, apesar das inúmeras tentativas em recuperar este formato de programa), o que fez de 1967 célebre? Canções como “Alegria, Alegria”, “Roda Viva”, “Domingo no Parque” e “Ponteio”, esta última interpretada por Edu Lobo e Marília Medalha – e música vencedora daquela edição – talvez possam responder essa pergunta. É pouco? Então, quem sabe dizer que em 1967 uma manifestação contra o uso da guitarra elétrica (demonizada como símbolo do imperialismo norte-americano), e que criou um racha na classe artística entre os favoráveis e os temerários ao instrumento, responda melhor? Ou seria ainda o momento ‘descontrol’  de Sérgio Ricardo, que, sob vaias e impedido de cantar “Beto Bom de Bola”, quebra seu violão e o atira contra a plateia? Independentemente da escolha, todas essas histórias estão lá, não apenas retratadas pelas imagens da época, mas também comentadas pelas pessoas que fizeram essa história acontecer.

O que mais chama a atenção em Uma Noite em 67 é o uso inteligente das imagens de arquivo – neste documentário elas não servem como meras ilustrações dos depoimentos, mas se prestam a dar o clima exato do que aquela noite representou para toda uma geração que, ao mesmo tempo em que vivenciava os anos de chumbo da ditadura militar, via surgir importantes manifestações culturais, a exemplo do Tropicalismo, ou ainda os primeiros passos do rock nacional, que deve muito de sua origem aos artistas “jovens e modernos” de 67.

Presentes na sessão de hoje (09/04), os diretores justificaram sua escolha por 67: “Aquela noite de 67 reuniu os artistas de que mais gostamos, de quem gostaríamos de desfrutar de alguma intimidade, fazer parte daquele universo de algum modo, enfim, eles são responsáveis pela trilha sonora de nossas vidas”,  resume Calil.

Ficou interessado em ver este documentário? A próxima sessão de Uma Noite em 67 em São Paulo está programada para dia 10/04, às 15hs, no Espaço Unibanco Augusta. A entrada é gratuita e recomendamos chegar ao cinema com mais de uma hora de antecedência (na sessão de hoje, dia 09, no mesmo Espaço Unibanco, a fila já dobrava a esquina por volta das 19h30).

Mais informações no site do É Tudo Verdade

Resenha: VJs de Mianmar – Notícias de um País Fechado

Videorrepórteres que atuam na clandestinidade, monges que incitam a revolução e um país autoritário, fechado para o mundo. Esta é a Mianmar na visão do diretor dinamarquês Anders Østergaard, do documentário VJs de Mianmar – Notícias de um País Fechado (Burma VJ: Reporter i et Lukket Land, 2008), vencedor da categoria Melhor Documentário no Festival É Tudo Verdade em 2009 e que retorna ao mesmo evento nesta 15ª edição.

O filme retrata um episódio da complicada história daquele país, submetido ao regime militar há quase cinco décadas: o massacre de monges budistas, líderes de uma série de protestos contra o governo, em 2007, após um aumento abusivo do preço do combustível e da prisão de uma destacada ativista.

Num país autoritário como é o caso de Mianmar, é desnecessário citar o controle do Estado sobre os meios de comunicação. Como forma de evitar que o mundo se esqueça daquele povo e desconheça sua luta, como justifica o próprio narrador da história,  “Joshua” (nome fictício), repórteres independentes assumem a responsabilidade e o risco de registrarem clandestinamente as imagens do cotidiano, permeado de injustiças, repressão e violência. Eles compõem uma rede de cinegrafistas conhecida como Voz Democrática da Birmânia (VDB), com sede em Oslo, Noruega, local onde as imagens são recebidas e retransmitidas para outras locailidades do globo, incluindo a própria Mianmar, que recebe as imagens via transmissão de redes piratas. Desse modo, quando eclodiu o massacre dos monges, em 2007, redes como CNN e BBC puderam noticiar os conflitos, amparadas pelas imagens produzidas de modo secreto e não-autorizado.

O mérito de Østergaard reside no modo como o documentário foi montado. Impedido de filmar nas ruas de Mianmar (o uso de câmeras é proibido no país), e contando apenas com o auxílio do videorrepórter Joshua (refugiado na Tailândia), o cineasta construiu grande parte do documentário com imagens do acervo dos cinegrafistas clandestinos. O resultado é um documentário que consegue segurar a atenção do espectador com suas sequências tensas, cheias de suspense, ao mesmo tempo que cumpre o objetivo principal de seu realizador, que é chamar a atenção do mundo para os problemas daquele país.

É Tudo Verdade (ou quase)!

Começa hoje em São Paulo, com sessão exclusiva para convidados, o Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade.

Dirigida pelo crítico Amir Labaki, a 15ª edição do evento exibirá, até o dia 18/04, 71 documentários originários de 27 países, entre os quais, 18 documentários brasileiros inéditos (entre curtas, médias e longas). Tudo isso gratuitamente e distribuído em 6 salas de cinema em São Paulo.

O documentário selecionado para abrir o Festival hoje, no Espaço Unibanco Augusta, às 20h30 é “Uma Noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil (crítico de cinema da Folha de São Paulo). O filme retrata, através de imagens de arquivo, a final do Festival da Canção da TV Record, momento memorável da televisão e música brasileira.

Na edição carioca do É Tudo Verdade, que começa oficialmente amanhã, quem abre é o polêmico “Segredos da Tribo”, de José Padilha. Sua obra é um olhar sobre antropólogos renomados, entre eles o americano Napoleon Chagnon e o francês  Jacques Lizot, que conviveram com índios ianomâmis na fronteira da Venezuela com o Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970 e cuja fama acadêmica divide espaço com acusações de genocídio e pedofilia.

Sessões que prometem lotar são a de “Capitalismo – Uma História de Amor”, de Michael Moore. São dele os famosos “Tiros em Columbine”, de 2002, e “Fahrenheit 9/11”. Amado por muitos e odiado por outros tantos, Michael Moore foi alvo de inúmeras acusações, de cineastas e não-cineastas, que declararam que seus filmes não passam de manipulação e mentira. Não deixa de ser positivo, pois, o debate levantado a partir das obras de Moore, sobre a veracidade dos filmes documentários e sobre o papel do documentarista na produção deste gênero. A primeira sessão de “Capitalismo”, no É Tudo Verdade, está programada para o próximo sábado, dia 10, às 19h00 no Espaço Unibanco de Cinema, em SP.

Pôster de Capitalismo – Uma História de Amor, de Michael Moore, que terá sua prèmiére no É Tudo Verdade 2010

Dois cineastas serão homenageados nesta edição do festival: o francês Alain Cavalier, cujas obras compõem a mostra “Retratos/ Auto-Retratos”, dentro do programa Retrospectiva Internacional, e ainda, uma Homenagem Especial, em função do centenário do documentarista e fotógrafo Benedito Junqueira Duarte. São dele os primeiros filmes que registram as transformações de São Paulo, na primeira metade do século XX.

Cena de O Encontro, de Alain Cavalier (1996), que será exibido no Festival É Tudo Verdade 2010

Além da exibição de filmes, o É Tudo Verdade 2010 integra a 10ª Conferência Internacional do Documentário. Intitulada “Filme Vira Filme: o Documentário de Arquivo”, a conferência abrirá espaço para cineastas e pesquisadores discutirem a complexa questão do uso das imagens de arquivo, que, além de envolver os altos custos para utilização dessa fonte documental, esbarra na não localização ou desconhecimento do detentor dos direitos sobre as imagens. O evento acontecerá entre 14 e 16 de abril, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo e para participar é necessária inscrição préviaatravés do email inscrição@cinemateca.org.br.

Mais informações sobre a programação, cinemas participantes e inscrição para a 10ª Conferência Internacional de Documentário você encontra no site do É Tudo Verdade.

E para acompanhar o que está rolando no evento, de resenhas à novidades, você acompanha aqui, neste Le Champo!

À bientôt!

“Pan-Cinema Permanente” e “Cosmonauta Polyakov” surpreendem e levam Troféu É Tudo Verdade

Aconteceu na noite do último sábado, em São Paulo, a premiação do 13º Festival Internacional de Documentários- É Tudo Verdade.

O evento, que foi aberto ao público, contou com a presença de diretores, produtores, além de representantes dos patrocinadores do festival.

A premiação foi marcada pelo tom direto e um pouco confuso, sobretudo no que dizia respeito às traduções dos discursos enviados pelos cineastas estrangeiros premiados.

As surpresas da noite (ao menos para alguns) foram as premiações dos longas – nacional e internacional.

Na Competição Brasileira, “Pan-Cinema Permanente” levou o Troféu É Tudo Verdade de melhor longa-metragem, além do maior prêmio em dinheiro – um valor de R$100.000,00.

O filme, que fala da trajetória do poeta Waly Salomão, demorou 15 anos para ser concluido, segundo as palavras do diretor.

Particularmente, eu esperava que “O Aborto dos Outros”, de Carla Gallo, pudesse vencer a competição, mas, no entanto, ganhou somente Menção Honrosa pela sua tocante obra.

Outra Menção Honrosa foi dada a “Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei”, dos diretores Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, filme que, como o nome sugere, relata a meteórica carreira de Wilson Simonal durante as décadas de 1960 e 1970 e o ostracismo decorrente de seu suposto envolvimento com a Polícia Política (DOPS) durante a Ditadura Militar.

Já na competição de curtas, o bem feito “Remo Usai – Um Músico Para o Cinema”, de Bernardo Uzeda leva o troféu de melhor curta-metragem brasileiro e um prêmio de R$ 6.000,00. O curta conta a história do músico Remo Usai, autor de mais de 150 trilhas para curtas e longas brasileiros.

Esta premiação contrariou mais uma vez o meu palpite e “Dossiê Rê Bordosa”, de César Cabral e meu favorito ao prêmio, recebe Menção Honrosa por sua obra que mistura animação com linguagem de documentário. Ótimo curta!

Dentro da Competição Internacional, a cineasta alemã Dana Ranga leva o prêmio de melhor documentário longa-metragem internacional com o seu “Cosmonauta Polyakov” e o libanês “Apenas Um Odor”, de Maher Abi Samra, se destaca como melhor documentário curta-metragem internacional.

Após a premiação os filmes vencedores do festival foram exibidos em sessão especial para o público presente.

Crítica “Anna, Sete Anos no Front”, de Masha Novikova

Quais são os desdobramentos da intolerância?? Até onde alcança o braço da guerra? Por quanto tempo perdura as conseqüências destes atos?

A jornalista russa Anna Politkovskaya, se estivesse viva, talvez não hesitaria em responder: -“A vida inteira”.

É essa Anna Politkovskaya que a cineasta Masha Novikova, diretora de “Anna, Sete Anos no Front (Anna, Seven Years on Frontline, Holanda/Rússia, 2008) quer que conheçamos. Não apenas uma jornalista sagaz, instintiva e competente. Novikova quer que conheçamos a profissional comprometida com seu trabalho e com aqueles que a cerca; cidadã, que coloca sua voz e seu braço à favor da coletividade; humanista, que chora as dores daqueles a quem defende.

O documentário “Anna, Sete Anos no Front”, conta a história da jornalista russa, assassinada a tiros na porta de sua casa, em Moscou, em 2006. Seu nome esteve ligado ao conflito Rússia x Tchechênia, por conta das denúncias de maus-tratos e abuso de poder cometidos pelo governo russo no território inimigo.

Ao longo do filme, vemos imagens de arquivo, onde a jornalista comenta as investidas russas contra a pobre população tchechena. Relatos de torturas (que, nas palavras de Politkovskaya, são realizadas sob métodos medievais) são endossadas por uma população velha e sofrida – muitos jovens foram mortos nos conflitos.

Os episódios da tomada do Teatro Dubrovka, em 2002 e dos ataques na escola de Beslan, em 2004, estão presentes no documentário.

Um filme que nos mostra que toda guerra tem dois ou mais lados, por mais que alguns veículos de imprensa ou que a própria configuração geo-econômica tente nos provar o contrário. Nestes casos, não há espaço para maniqueísmos – somente para o desespero, o medo e a dor da perda.

Anna Politkovskaya, jornalista russa assassinada em 2006
Anna Politkovskaya, jornalista russa assassinada em 2006

Debate com Alina Marazzi, diretora de “Também Queremos as Rosas”

Após a exibição do filme “Também Queremos as Rosas” (Vogliamo Anche le Rose, Italia, Suiça,2007), a diretora Alina Marazzi conversou com a platéia.

Entre outras coisas, Marazzi disse que começou a trabalhar neste documentário há três anos e que, desde então, nunca poderia imaginar que temas pertinentes às décadas de 1960 e 1970 pudessem voltar com tanta força nos dias de hoje.

Segundo a cineasta, questões como as diferenças de gênero são praticamente desconhecidas pelas gerações mais novas da Itália.

Pensando nisso e com o intuito de percorrer histórias de uma geração e de uma época que ela não participou, a diretora foi buscar materiais autênticos, ou seja, fotografias, materiais de arquivo, filmes caseiros e até diários onde constam os depoimentos, pensamentos e indagações que são expostos em sua obra.

Alina Marazzi também falou sobre o alcance que seu filme teve na Itália. Para ela foi “incrível” o fato do filme ter sido exibido no circuito cinematográfico italiano, pois, tratando-se de documentário, isso geralmente não acontece. E que, graças ao apoio das redes de televisão estrangeiras, no caso da Suiça, da Finlândia e também das italianas Rai Cinema e grupo Fox, seu filme teve um bom resultado desde sua estréia, no dia 08 de março deste ano.

A cineasta Alina Marazzi
A cineasta Alina Marazzi

Crítica “Também Queremos as Rosas”, de Alina Marazzi .

Partindo de uma criativa colagem de noticiários, filmes caseiros, relatos de diários e materiais de arquivo, o longa “Também Queremos as Rosas” (Vogliamo Anche le Rose, Italia, Suiça,2007), de Alina Marazzi retrata as mudanças do comportamento feminino na Itália, nas décadas de 1960 e 1970.

Como se sugerisse uma linha do tempo, o documentário inicia com mulheres questionando a Constituição Italiana da época,  que entre outros pontos, falava da autoridade do marido sobre a mulher, colocava o adultério feminino (e somente feminino) como crime e dizia que o estupro constitui crime contra a moral e não contra a pessoa.

Abriu-se espaço para que mulheres começasssem a discutir e contestar seu papel limitadíssimo na sociedade. Elas negam idéias como casamento, família, filhos, tornar-se “donas-de-casa”. Agora elas querem se emancipar, ganhar as ruas, estudar, trabalhar.

Cenas da presença de mulheres em montadoras de veículos e em outros setores da economia são exibidas, sempre mostrando a dicotomia entre aquelas que querem se libertar das amarras do lar e aquelas outras que vêem no trabalho extra-lar uma sobrecarga de tarefas e responsabilidades.

O desejo de libertação extrapola os limites da vida profissional e encontra no campo afetivo-sexual seu maior expoente. Quem não se lembra da cena de mulheres dançando nuas no Festival de Woodstock?? Pois o filme vai além desta e mostra como as italianas  se impuseram frente à possibilidade do sexo antes do casamento, ao aborto e à contracepção. O embate ideológico com a Igreja, o enfrentamento social que este assunto clama, tudo isso é abordado.

Na da década de 1970, a questão do feminismo é uma questão social. Mulheres organizam-se em grupos, realizam passeatas em favor dos temas femininos, sofrem represálias, ou seja, cenas que povoam nossa cabeça quando falamos dos famosos Anos 70, mas que, segundo a diretora Alina Marazzi, são quase desconhecidas do público mais jovem de seu país.

Nesse ponto, novamente surgem as contradições da mulher que, a essa altura, não sabe mais se deve insistir no antigo modelo comportamental e seguir o marido ou se deve rebelar-se e viver ao seu modo. Fica claro que na Itália, assim como na maioria dos países, o feminismo cresce mas fica longe de atingir todas as mulheres.

Mais que um documentário, o filme é documento em si, retratando a mulher de maneira colorida, divertida, leve e nem um pouco fútil.

É filme pra se ver com a mãe, a filha, as amigas, o marido, enfim, pra ver e rever com todo mundo!

Cena de 'Também Queremos as Rosas', de Alina Marazzi

Cena de Também Queremos as Rosas, de Alina Marazzi

Debate com Carla Gallo, diretora de “O Aborto dos Outros”

Após a exibição do longa “O Aborto dos Outros” (Brasil, 2007), a diretora Carla Gallo se dispôs a debater sua obra, hoje à tarde, no Cinesesc,  em São Paulo.

Aqui, breves trechos dessa conversa com o público:

Quando questionada se as pessoas que foram mostradas no documentário viram ou irão ver o filme, Carla Gallo respondeu que elas (mulheres) sabem que o filme está sendo exibido no Festival, mas que, para evitar que se sintam expostas, haverá uma sessão particular para elas.

 Gallo foi questionada também sobre os motivos que a fizeram tocar em um assunto tão polêmico, como é o aborto, num país como o Brasil. Ela responde que duas foram suas principais motivações. A primeira foi o relato de sua mãe, que engravidara dela aos 23 anos, em princípio solteira, de família católica, enfim, numa série de dificuldades. Depois de realizar o exame de ultrassom, sua mãe busca o resultado e se surpreende ao receber junto deste um cartãozinho com um telefone de uma clínica de aborto. Desde então a questão da decisão da mulher sobre a maternidade ficou muito evidente para ela.  Além disso, quando ela mesma (Gallo) decidiu ser mãe, percebeu que a maternidade está envolta por uma série de questões, que vão além das condições econômicas, passando pelas condições psicológicas e emocionais.

 A platéia também perguntou à diretora como ela chegou às mulheres, cujas histórias foram relatadas no filme. Em resposta, Gallo explicou que no início ela tinha apenas um plano em mente e, ao conversar com sua assistente, ambas decidiram que jamais iriam tentar convencer qualquer mulher a falar sobre o assunto. A idéia era simplesmente apresentar suas idéias, sem convencimento. A diretora disse ter conversado com equipes médicas em hospitais e através destas, chegaram a elas. Daí então, elas conversavam e determinavam o limite sobre o ponto onde poderiam ir. Por isso, no filme, há mulher que mostra o rosto, mulher em que rosto é mostrado parcialmente, mulher que só aparece a voz, etc… Algumas, inclusive, chegaram a pedir que fossem utilizados filtros para disfarçar a voz, recurso esse que foi negado pela diretora.

Por fim, quando questionada se há previsão sobre a entrado do filme do circuito de cinema da cidade, Carla Gallo respondeu que já foi fechada uma parceria com um distribuidor, mas que por questões contratuais, ainda não é possível falar em datas. Mas ela espera que o filme chegue a todos, através das exibições nas salas de cinema, depois em dvd, e que ele possa alavancar discussões nas faculdades, entre os grupos interessados e etc.